sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Restos a pagar

J.R. Guzzo 
Publicado em Veja impressa (vide Veja.com)
O segundo governo da presidente Dilma Rousseff deu para imaginar o fim do mundo a cada vez que a população vai para a rua; deve ter suas razões. Daí, quando as pessoas voltam para casa e se descobre que o mundo, obviamente, continua de pé, as altas autoridades da República passam a contar vantagem. Insultam os manifestantes. Dizem que estão fazendo um governo praticamente perfeito ─ se uma ou outra coisa não vai bem, a culpa é da economia dos Estados Unidos, ou da China, ou de quem mais possa lhes dar na telha.
Agem como se todos os brasileiros que não foram às manifestações estivessem a favor do governo. Acreditam que saíram da bacia das almas porque fecharam negócio com a nova equipe de resgate chefiada pelo senador Renan Calheiros e seus associados de sempre ─ Fernando Collor, José Sarney, Paulo Maluf e outros gigantes que hoje são os anjos da guarda da esquerda nacional. A presidente, mais uma vez, diz: “Daqui ninguém me tira”.
Dilma Rousseff não caiu entre o domingo e a segunda-feira da semana passada, depois que centenas de milhares de pessoas, pela terceira vez em cinco meses, mostraram em praça pública o quanto desprezam seu governo, seu partido e seus aliados. E como poderia ter caído? A população, no dia seguinte, tem de trabalhar, cuidar da casa, tocar a vida; não pode continuar na rua. Os que vão aos protestos não são militantes pagos pelos “movimentos sociais” que vivem de dinheiro do governo. Não são golpistas: não querem dar golpe nenhum, se quisessem não saberiam como, nem têm tempo para isso. Mas a presidente da República, o Instituto Lula e os comitês centrais do PT fazem questão fechada de não pensar na única realidade que importa no momento ─ com essas multidões ocupando livremente as ruas é impossível acreditar que o governo esteja ganhando alguma coisa.
Não dá para insistir que os seus donos estão certos ─ e que os 70% dos brasileiros que os condenam nas pesquisas de opinião estão errados. Mais que tudo, nenhum dos problemas urgentes que o Brasil tem hoje andou um milímetro no rumo de uma solução depois que as passeatas acabaram. O governo Dilma não é capaz de perceber, quando acha que chegou ao fim de uma dificuldade, que está apenas no começo de outra. Ficou combinado, no grosso dos comentários feitos até agora, que a presidente “ganhou tempo”. É mesmo? E quanto foi esse tempo ganho? O suficiente para atravessar os próximos três anos e quatro meses que tem pela frente? Fala sério.
Será preciso, em primeiro lugar, que alguém comece a governar. Tanto quanto se pode ver, o refrão “fora Dilma” ficou superado ─ ela já está fora há muito tempo, desde que desistiu de ser presidente da República e optou por chefiar um governo paraplégico. Hoje, na visão de Lula, do PT e da “base”, só serve para levar a culpa por tudo; para o restante do país, não tem utilidade conhecida. Mais que tudo, a travessia vai exigir dos donos do governo o reconhecimento de uma realidade bem simples: seu verdadeiro problema não está nas manifestações de rua, no “golpe da direita”, na crise “do capitalismo”, no deputado Eduardo Cunha e outros favoritos do seu atual elenco de demônios ─ está em Curitiba, no juiz Sergio Moro e na 13ª Vara Criminal Federal. É algo que, até agora, têm sido mentalmente incapazes de fazer.
O governo dos últimos treze anos resume-se hoje a uma soma de restos a pagar. Não quer, e talvez já não possa, zerar essa conta. Enquanto isso, na vida como ela é, tudo continua a provar por A + B que o Brasil, tal como é governado hoje, não corre o menor risco de dar certo. Descobriu-se no noticiário que na sua recente visita de um dia à Califórnia, durante a viagem que fazia aos Estados Unidos, a presidente Dilma Rousseff conseguiu gastar 100 000 dólares só com o aluguel de carros. Foram contratados 25 motoristas para levar a comitiva brasileira de lá para cá, a bordo de automóveis, vans, ônibus e até um caminhão. (Eis aí, entre outras, a pergunta que não quer calar: por que esse caminhão?)
Embora a visita de Dilma tenha durado apenas um dia, o contribuinte brasileiro pagou a circulação da frota inteira durante os quinze dias anteriores; segundo os gerentes do Palácio do Planalto, foi preciso esse tempo todo para preparar as coisas bem direitinho. Para completar a comédia, o governo só pagou à locadora dos veículos depois de se ver ameaçado de um processo de cobrança na Justiça americana. Como pode funcionar um país que gasta 100 000 dólares com aluguel de carros num passeio, incluindo um caminhão para levar a tralha de Sua Excelência? Não pode.

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